CONEN BAHIA

CONEN - COORDENAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS-FÓRUM BAHIA

sábado, 7 de janeiro de 2012



Estamos no ano em que se completa 124 anos do momento histórico que acabou juridicamente com a idéia de servidão do negro pela coroa de Portugal. Princesa Isabel assina um documento, que em tese, libertava àqueles dos quais descendemos quase três séculos de servidão escrava. Será que aquela assinatura resolveu a situação da população advinda de África e até dos seus descendentes que vivem neste país? Qual foi a verdadeira razão que motivou a princesa subscrever a Lei?

A assinatura da lei Áurea no dia 13 de maio de 1888 serviu para libertar cerca de 750 mil escravos que ainda existiam no Brasil e proibia a escravidão. Foi um dos fatos de maior alcance e visibilidade no país, no que se refere ao tema das disputas pela memória e de seus significados políticos, depois disso só o movimento das Diretas Já que culminou no fim da ditadura militar, pode ser tão igual comparado.

Essa data e o 20 de novembro colocam a população a refletir sobre a situação do povo preto no país.

Rediscutir o passado nunca foi, nem nunca será uma tarefa fácil. Principalmente o passado de uma parcela da população brasileira que teve documentos queimados (nomes, origens, legados foram obliterados) e as suas as revoltas eram e são marginalizadas.

É a partir de meados do século 18 que um discurso abolicionista vai emergir no pensamento ocidental, questionando progressivamente a legitimidade da escravidão, unindo-se ao parlamento. No Brasil, vai estar presente desde finais deste século, no questionamento da continuidade do tráfico de escravos e na crítica às distinções raciais entre a população livre, empolgando as camadas populares urbanas presentes nos setores mais radicais que se ligaram às lutas pela emancipação política e econômica.

Vale lembra que com o fim do tráfico da população negra de África, em 1850, elevou-se o preço do cativo, tornando seu acesso restrito às camadas superiores da agricultura de exportação, golpeando de morte esta cumplicidade do conjunto da população livre com o trabalho servil, construindo as bases para que o abolicionismo se tornasse um grande movimento popular. Desde então, a crescente pressão pela alforria, no seio da população escravizada, só fez aumentar a presença afrodescendente na população livre de uma maneira geral. Precedida por fugas em massa, a Lei de 13 de maio nada mais fez do que reconhecer formalmente a liberdade, já conquistada de fato nos meses precedentes, culminando o maior movimento de desobediência civil da história brasileira.

Mas como diz um provérbio africano: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.

Independentemente disso, não se pode deixar de reconhecer que a abolição não resolveu diversas questões essenciais acerca da inclusão da maior camada populacional na sociedade brasileira. Depois da lei Áurea, o Estado brasileiro tomou poucas medidas que favorecessem sua integração social, abandonando-os à própria sorte. De lá pra cá só consigo lembrar a criação da SEPPIR, Lei 10639/03 logo depois substituída pela lei 11645/08, que inclui a cultura indígena no currículo escolar e o estatuto da Igualdade Racial, esse último com severas criticas por grande maioria do movimento negro.

É hora de comprometermos com uma reflexão constante sobre nossas práticas, como muitos antes de nós o fizeram. Vamos construir, e (re) construir o negro e a negra diariamente, questionando o nosso passado e traçando metas para um futuro mais justo.

O estado brasileiro precisa assinar um documento que se tenha igualdade na diferença, respeito à diversidade humana e a promoção do desenvolvimento humano.

A população e em especial o movimento negro com certeza continuarão nas lutas: Pela aprovação dos estatutos de promoção da igualdade racial em todos os estado, pela real aplicação do ensino e da cultura africana nas escolas e nas universidades, pelo o acesso ao trabalho e salários iguais para todos/as, por uma melhor abordagem policial e pelo fim do extermínio da juventude negra, pelo fim do trabalho escravo que ainda existe em todo continente, na luta por um currículo escolar menos eurocêntrico e mais multicultural e multirracial, por melhores livros didáticos e por um ambiente racialmente mais democrático nas escolas.

Continuemos a considerar o 20 de novembro como a grande data de celebração no Brasil de uma comunidade étnica - a dos descendentes de África que aqui chegaram escravizados. Data do assassinato de Zumbi, símbolo poderoso para sinalizar as condições de desigualdade em que a maioria dos africanos/as chegou ao Brasil e para atuar como catalisador na luta contra a discriminação racial daí decorrente. Líder do maior e mais duradouro quilombo do Brasil colonial. Zumbi dos Palmares se apresenta hoje como o grande herói da resistência à escravidão, verdadeiro arquétipo da não submissão dos/as escravos/as africanos/as ao cativeiro.

Como descendentes de África. Somos a prole de homens e mulheres dignos arrancados de seus lares e acorrentados em navios como animais. Somos os herdeiros de um grande e explorado continente. Somos os herdeiros de um passado com os maiores crimes aos direitos humanos e maior chacina da humanidade. Não devemos ter vergonha desse passado. Devemos ter vergonha sim, daqueles que se tornaram desumanos a ponto de torturar-nos, roubar nossa cultura e se enriquecerem com o nosso suor.

*Freitas é filho de Osún, Educador Social, Estudante de Ciências Sociais pela UFBA, Coordenador de Projetos da Coordenação Nacional de Entidades Negras e Filiado ao Partido dos Trabalhadores.

Nenhum comentário: